Sobre saudade e os horrores da guerra

Essa semana fez 6 meses que meu tio morreu. Quando eu tinha uns 8 anos prometi que quando crescesse escreveria um livro contando a sua história, mas enquanto isso não acontece acho que ele merece um post em sua homenagem. Não é muito, mas é realmente de coração.

Ele nasceu em Berlim e era apenas uma criança quando a 2ª Guerra Mundial começou. E o mais importante, ele era judeu. Como a família dele tinha certo dinheiro, logo que, nas palavras dele, “os judeus começaram a ser marginalizados”, eles fugiram da Alemanha. Já que levantaria muitas suspeitas se uma família judia resolvesse se mudar do dia pra noite, eles tiveram que sair da casa como se estivessem indo apenas passear, deixando tudo pra trás. Colocaram uma roupa por cima da outra e as jóias e o dinheiro nos bolsos dos casacos.

A sua família ficou durante alguns anos viajando por países vizinhos e fugindo novamente quando o exército nazista se aproximava. Depois disso conseguiram ir para a Inglaterra e ficaram sabendo que naquela semana sairia um navio para a América. E foi assim que eles desembarcaram no Brasil, mais especificamente no litoral do Rio Grande do Sul.

O pai dele era um professor e resolveu ir para São Paulo onde teria mais oportunidades de emprego. Assim ele passou a trabalhar na USP e sua família se estabeleceu definitivamente em São Paulo, se converteu para o catolicismo e mudou a pronúncia do sobrenome. A minha tia acabou conhecendo a mãe desse meu “tio” e as duas ficaram amigas. Quando os pais dele morreram, minha tia passou a tratá-lo como filho, já que ele não tinha nenhuma família no Brasil. Foi assim que ele virou o meu tio por consideração.

Ele era uma pessoa engraçada, um pouco estranha. Não tinha amigos, nunca casou ou teve filhos e viveu sozinho por muito tempo até se internar em uma casa de repouso. Eu me lembro claramente de quando ele vinha aqui em casa durante o Natal ou Ano Novo e como ele morria de medo dos fogos de artifício. Ele dizia que o fazia lembrar das bombas. Ele era cheio de manias e tiques e morria de medo de morrer.

Ele era gay e nunca se assumiu por medo. Ele já se achava um traidor por ter nascido judeu e tinha medo de que se assumisse a homossexualidade iria parar no inferno. Ele realmente acreditava na ideia de céu e inferno. Ele ainda tinha medo dos nazistas. Ele viveu toda a sua vida com medo.

Eu não sei o porquê, mas senti vontade de falar a respeito dele hoje, contar sua história para alguém. Meu tio é o principal motivo da minha obsessão quase doentia pela 2ª Guerra Mundial e por Adolf Hitler. Ele me fez amar História de um modo geral. E eu nunca vou esquecê-lo e também não deixarei que sua história seja esquecida. Mesmo que eu não escreva um livro a respeito, ele sempre será de alguma forma lembrado. Eu penso que ele merece isso.

14 Responses to “Sobre saudade e os horrores da guerra”


  1. 1 Ágata Bresil 25/10/2012 at 13:14

    É importante escrever sobre as pessoas que admiramos. Eu adorei ler esse post, é uma história realmente fantástica e rara de se ver aqui no Brasil. Muito obrigada por compartilhar conosco.

    Beijos. Tudo Tem Refrão

  2. 3 suka-chan (@heysuuka) 26/10/2012 at 16:41

    oin que fofa você! Prometer escrever um livro para alguém é muita responsabilidade viu? Digo isso por experiencia própria! Quando eu tinha uns 7 anos prometi para minha mãe que escreveria um sobre a vida dela, até hoje ela joga isso na minha cara D: HAHAH

    Quanto ao seu avó, sinto muito! Sinto muito por tudo. Por ele ter morrido, pela vida que teve, pelos monstros que o perseguia… Sei que palavras não vão adiantar muita coisa, mas posso imaginar tudo que ele sentia e conviveu. Sei o básico sobre a segunda guerra mundial, sobre os judeus e sobre o Hitler, mas entendo pq você admira tanto o seu avó e pq ele deve ser realmente lembrando. Aliás, todas as pessoas daquela época, todas as almas perdidas deviam ser lembradas. Mas infelizmente, passado é passado D: Só quem viveu e viu deve realmente se lembrar :T

    Espero que algum dia você consiga escrever e publicar o livro dele! Com certeza irei na noite de autógrafos HEHE bjbj

    http://rascunhosdasuuka.com/

  3. 5 Luiza 26/10/2012 at 20:34

    É uma história muito triste e bonita ao mesmo tempo. Fico feliz que sua família tenha sido capaz de escapar, ao contrário de muitas outras.
    Meu avô também era criança nos tempos da guerra, só que ele não fala nunca no assunto e eu não tenho coragem de indagá-lo, porque parece um assunto muito delicado pra ele.

    bjs!

    • 6 mariellapops 03/11/2012 at 18:48

      Eu amo essa história, porque eu penso que tantas famílias não tiveram a chance que a minha teve de escapar e começar uma nova vida. Isso só deixa tudo mais especial pra mim.
      Eu conheço outras pessoas que passaram pela guerra e ficaram traumatizadas com isso, não conseguem falar a respeito. É um trauma e tanto, né.
      Beijos!

  4. 7 Anonymous 27/10/2012 at 22:20

    Fiquei como vida com a história de seu tio. Ele foi um verdadeiro guerreiro. Imagina só, sobreviver fisicamente e espiritualmente a tudo que ele passou.
    Estou com blog novo, ficaria feliz com sua visita. Bjs!!!
    http://inspiracaoentrelinhas.blogspot.com.br/

  5. 9 Zane (@Zannesouza) 27/10/2012 at 22:22

    Com certeza ele merece isso. Ele foi um verdadeiro guerreiro. Imagina só, sobreviver fisicamente e espiritualmente a tudo que ele passou. Muito comovente.
    Estou com blog novo, ficaria feliz com sua visita. Bjs!!!
    http://inspiracaoentrelinhas.blogspot.com.br/

  6. 11 Deby 29/10/2012 at 23:08

    Poxa, que história de vida interessante.. pena que ele mesmo não possa estar vivo para contá-la. Eu adoraria ler esse livro se um dia ele for publicado 😉
    As guerras em minha opinião não tem sentido, mas sempre deixam marcas na História e na vida das pessoas né?! Muito interessante..

    Beijo ;*

  7. 13 rafaela 05/11/2012 at 17:05

    Não sei como explicar, mas estou tão emocionada, é por histórias como essas que sinto cada vez mais vontade e determinação para cursar História, e pouco importa-me com o que trabalharei, simplesmente quero cursar por paixão à História. Obrigado por dividir essa breve história conosco, me encantei por essa pessoa, cujo a ganancia e frivolidade da humanidade moldou-o, tornando-o temeroso. Com certeza ele está no céu, muito feliz por você ter sido ‘afilhada’ dele.

    • 14 mariellapops 09/11/2012 at 23:59

      Obrigada pelas palavras doces ❤
      Eu também queria muito fazer História, mas ao mesmo tempo me preocupo com o que irei trabalhar. Digamos que ainda estou na dúvida.
      Beijos!


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